Espera aí, Eco, que eu já te atendo. Sei que tens andado da mesa-de-cabeceira para o escritório e do escritório para a mesa-de-cabeceira, mas és boa companhia - animado e alegre, vivo e irónico - e é por isso que ainda não te despachei por completo. Ou queres voltar para a prateleira?
Olá, Kundera, há muito que andava para pegar em ti. Gostei do teu estilo simples, reiterado, quase oral. Gosto da tua vertigem, do teu mergulho constante nas insondáveis (afinal não tanto quanto isso) profundezas do ser(-se) humano. E é tão bom poder ler um romance que também é leitura académica! Mas o romance é ideal para ler à noite, na cama (melhor do que as tuas conferências, Eco, não desfazendo, se é possível). Por isso, Kundera, deixo-te por agora, na página 89, e volto a ouvir-te mais logo, se não te importas.
Como estás, Sena? Confesso que não tinha muita vontade de dialogar contigo, embora alguma curiosidade, porque detestei ler o Físico Prodigioso (a culpa não devia ser tua, mas da idade em que o li). Tinha curiosidade, sobretudo, porque o livro em que agora pego tem por título O Reino da Estupidez. Só me interessa, em princípio, um dos ensaios, mas detenho-me, para já, no prefácio. Parece-me relevante, começo a transcrever passagens... e alto. Eis que me vejo a descompreender progressivamente a tua prosa, como se de repente começasse a ficar cada vez mais pitosga, até deixar completamente de ver.
Interrompo para marcar uma consulta de oftalmologia, porque isto me recorda que preciso realmente dela. E pode ser que me ajude a perceber-te melhor, sabe-se lá. A ti e aos outros, já agora. Só o Kundera, no meio disto tudo, se pode ler quase às cegas. Abençoado seja!
Admiro-lhe a capacidade de saltar de um autor - livro - para outro com a mesma facilidade de quem se desloca, em casa, da sala para o escritório e deste para o quarto... por esta ordem ou outra qualquer.
ResponderEliminarÀs vezes penso que esta alternância é a única maneira de preservar a minha sanidade mental, bem como a vontade de ler.
ResponderEliminarE, por outro lado, há livros que inesperadamente falam uns com os outros, apenas porque os estamos a ler ao mesmo tempo. É como se juntássemos a uma mesa de café (o nosso cérebro) três pessoas que, de outro modo, nunca se conheceriam.