terça-feira, 28 de junho de 2011

Literatura e valor intrínseco

Dizem muitos teóricos que a (boa) literatura não tem propriedades que permitem defini-la enquanto tal, que os textos podem passar a ser considerados excelentes ou deixarem de ser excelentes, de acordo com convenções, normas e crenças historicamente determinadas. Sustentam, portanto, que os textos que constituem o cânone literário - as "grandes obras" - não têm qualidades intrínsecas, mas apenas o favor de comentários que as vão continuamente valorizando, que lhes vão dando atenção.
De facto, qualquer tentativa de explicar quais são as marcas distintivas de um bom texto literário é tarefa difícil (impossível?), inglória e desnecessária. Mas uma coisa tenho como certa: a preocupação estética do autor em relação à forma como diz o que tem a dizer, que conduz, nos casos felizes, à boa qualidade dos textos nada tem que ver com o consenso da "comunidade interpretativa", quase 100% orientado pela crítica (jornalística, ensaística e académica, segundo a divisão de van Rees em "How a Literary Work Becomes a Masterpiece").
Acontece com a literatura (socialmente aceite enquanto tal) o mesmo que com qualquer outra forma de arte: um artista pode pôr os seus excrementos dentro de uma lata com o rótulo "merda d'artista" e vendê-la por quantias exorbitantes. Porque a crítica, e depois a sociedade, entendeu valorizar essa"afronta". Mas qualquer indivíduo tem o direito de se negar a considerar esse objecto como uma obra de arte - do mesmo modo que pode considerar que é arte um produto "caseiro" que ninguém mais no mundo viu ou verá, muito menos apreciará enquanto arte (se a "merda" posta dentro de uma lata for minha, ninguém a quer nem oferecida, claro).
Do mesmo modo, a (boa) literatura, a que merece ser lida, relida e transmitida de geração em geração, para que não caia no esquecimento, é um conceito que tem duas vertentes: a social, que diz respeito ao tal  consenso, àquilo que a instituição literária determina que é literatura; e a individual, que só respeita a cada um de nós, na sua forma particular - privada, mesmo - de ler e de apreciar o que lê (ou seja, de construir o seu cânone pessoal).
E não me venham dizer que qualquer texto (mesmo o mais merdoso) pode ser considerado excelente, se a comunidade de académicos e críticos assim o entender. Há génio, há originalidade, há sabedoria, há elegância, há força, há subtileza, há profundidade num bom texto (estou a ler o Dom Casmurro de Machado de Assis e apetece-me recomendá-lo a toda a gente). Se não há num texto nenhuma dessas qualidades, e mesmo assim o texto é considerado notável e se torna um best-seller, é porque alguém anda a querer fazer dos outros parvos. Ou porque muitos de nós o somos mesmo.

Agenda incerta

Orientadora finalmente pode ser que tenha tempo para me ver. Pode ser... talvez na sexta-feira. Não sei se acredito.
Orientador não dá sinais de vida, a não ser no Facebook, claro, mas aí não me interessa. Ah, e recebo uns e-mails dele (que não são enviados por ele, mas vêm como se fossem) a convidar-me para fazer umas compras não sei onde. Era o que me faltava!

segunda-feira, 27 de junho de 2011

quinta-feira, 16 de junho de 2011

O melhor professor de sempre

É o que me ensinar, que me inspira, que me revolta, que está disposto a aprender com os alunos. Que se vê que tem gosto em estar ali, a fazer o que faz, como faz, mesmo quando tem um ar desconsolado.
É o que ironiza, que brinca, que diz grandes verdades, que põe em causa, que desconstrói.
É o que ouvi ontem, de novo, e talvez pela última vez, a dar uma aula.
É o que eu gostava de poder ouvir sempre, porque nunca me cansaria. Nunca.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Ele há com cada uma...

Vou percorrendo as páginas de um dos três livros a despachar estas semana, sem grande entusiasmo, e eis que leio: «O erotismo anal serve de pretexto referencial ao romance»... Segue-se a citação da epígrafe do referido romance, que simplesmente faz uma referência ao «realíssimo traseiro» de alguém «a quem os pseudo-submissos vêem verdadeiramente o cu». O autor da citação conclui: «Este texto já contém matéria suficiente para um discurso freudiano». A mim parece-me que tudo pode ser objecto de um discurso freudiano, se tivermos tempo e paciência para isso.

E eu tenho? Para que é que isto me interessa?
Pois.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Reengrenar rapidamente

Desengrenei, por causa das aulas, ou melhor, dos trabalhos dos mais de 70 alunos e das classificações. Estava num ritmo tão bom, a fazer qualquer coisa todos os dias, sem falhar, quando dou por mim e... já tinha falhado. Para que é que eu fui dizer que estava tudo a correr bem? Estava-se mesmo a ver...
E agora, após um fim-de-semana que nunca mais acabava, sinto dificuldade em engrenar novamente. Mas tem de ser! As férias grandes das crianças aproximam-se a passos largos e assustadores. SOCORRROOOOOO!!

terça-feira, 7 de junho de 2011

Citação do dia

A linguagem perdeu a sua aptidão própria para a verdade e para a honestidade política ou pessoal. Vendeu, e vendeu ao desbarato, os seus mistérios de intuição profética e as suas capacidades de resposta à lembrança exacta. [...] Agora sabemos que se a palavra «era no princípio», também pode ser no fim: que existe um vocabulário e uma gramática dos campos da morte, que as detonações termo-nucleares podem ser designadas como «Operation sunshine». Seria como se a quinta-essência, o atributo que identifica o homem – o Logos, o órgão da linguagem – se tivesse quebrado dentro das nossas bocas. [...] Em questões decisivas, a nossa civilização, hoje, é uma civilização «depois da palavra».

George Steiner,  "Presenças Reais" (1985)

Fazer alguma coisa todos os dias


No dia 10 de Outubro de 2009 escrevi isto:

Tinha pensado em seguir o lema "fazer alguma coisa para o doutoramento, nem que seja muito pouco, todos os dias", mas é óbvio que não vou conseguir. Em quatro anos, isso seria uma loucura. Pior, levar-me-ia certamente à loucura.

Engraçado... há mais de duas semanas que este lema reecoou na minha cabeça e resolvi segui-lo, sem me lembrar de que já o havia tentado antes, sem sucesso nem vontade.
Ao fim deste tempo, em que tenho vindo a conseguir, realmente, fazer todos os dias alguma coisa para o doutoramento (seja ler, seja escrever, seja assistir a uma palestra, etc.), concluo que este lema é o que me tem salvado, qual tábua a boiar num mar revolto, quando me sinto perdida, incapaz, assoberbada pela titânica tarefa.
Todos os dias faço, sim, alguma coisa para o doutoramento. E vou continuar a fazer.
Curiosamente, é isso que me impede de desesperar... talvez até de enlouquecer.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Literatura e biografismo

A Metamorfose soube-me a pouco. Não esperava que fosse uma leitura tão rápida e que o enredo fosse tão simples. Não imagino como é que pode ter sido convertido num filme - só se o realizador desenvolveu muito a história e a tornou em algo bastante diferente.
Pareceu-me, de certo modo, uma obra quase juvenil, inocente, ainda que perturbadora. Como se tivesse sido escrita por um adolescente sensível, impressionado com o absurdo de um mundo despótico, frio e cruel.
Foi certamente pelo conjunto da sua obra - e talvez mais por outras do que por esta em particular - e sobretudo em virtude de uma análise biografista que Kafka acabou por ser tão influente na literatura ocidental. O que toca, comove e perturba não é o texto desligado do autor e do contexto, mas a sua leitura tendo em consideração o homem que o escreveu e a experiência de vida que o marcou. E isto continua a ser verdadeiro, nos casos em que os escritores se destacam por um percurso distinto da multidão.
Por mais que se queira abolir o biografismo dos estudos literários, em favor de leituras "científicas" do  "texto-em-si" a relação entre "o homem e a obra" continua a ser irresistível, fecunda e muitas vezes comovente, ao ponto de fazer toda a diferença no entendimento que se faz da literatura.