terça-feira, 15 de junho de 2010

Pintando uma argumentação

Há algo de semelhante entre pintar uma aguarela e escrever um destes artigos, para mim.
Há um misto de ansiedade e entusiasmo, durante a tarefa, que se reflecte na forma como trabalho, ora absorta e profundamente empenhada, ora distante e quase desistente, interrompendo abruptamente o ritmo e refugiando-me noutras actividades menos exigentes, como fazer as camas e arrumar a casa.
A forma como encaro o objecto que vai sendo criado pelas minhas mãos também é parecida: olho para o que estou a fazer e parece-me bom e mau ao mesmo tempo: um traço certeiro gera um sentimento de esperança, parece que a coisa vai resultar; uma pincelada mais descuidada assusta-me, torna-me insegura, mas algo em mim tem confiança na possibilidade de o corrigir em breve. E assim vou trabalhando e sentindo um confuso turbilhão de emoções, de amor-ódio por esse objecto que brota de mim.
E quando parece que estou prestes a ser vencida pelo desespero, pela certeza de que o resultado vai ser falhado, de que a perfeição ficará longe do meu alcance, acontece uma espécie de pequeno milagre. Dou-lhe mais três ou quatro toques e o trabalho parece sorrir-me e dizer: "acabaste-me! Não estou bonito?" E eis que é verdade: bem ou mal, está acabado, chegou ao fim. Não é preciso sofrer mais, posso recostar-me na cadeira, ou levantar-me, e olhá-lo à distância tranquila do observador, já não do criador atormentado pelo acto de criar. E este final feliz é sempre uma surpresa, apanha-me sempre desprevenida. Porque nunca sei (algum pintor sabe?) que pincelada será a última.

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